Relação de Príncipe Harry e William: o que antecede os conflitos entre irmãos e como intervir?

Lançamento de Spare (O que sobra), autobiografia de Príncipe Harry, revela os bastidores da realeza, rompimento com a família e conflitos na relação entre irmãos. Entenda o exercício da fraternidade na ótica da neurociência!

Como exercitar a fraternidade entre irmãos? Por que alguns irmãos não se dão bem a ponto de romper a relação? Como criar filhos que se amam e se dão bem?

Embora o dia do irmão seja celebrado em 5 de setembro, esta pauta ganhou força na mídia com a superexposição do Príncipe Harry, 38, após o lançamento da autobiografia Spare. O título do seu livro já revela o tom de seu relato. 

Intitulado no Brasil como “O que sobra”, Spare também pode ser entendido como:

  • Verbo: poupar; dispensar; ceder.
  • Adjetivo: livre; vago; disponível; dentre outros. 

Afinal, qual o verdadeiro significado atribuído por Harry?

Proponho, então, refletirmos sobre o que antecede tanto a inimizade fraterna quanto a irmandade, que seria o cultivo do “estado” de ser irmão, exercício da irmandade- fraternidade. 

Na verdade, a relação entre irmãos e os conflitos fraternos não são pautas recentes. Vejamos o exemplo de Caim e Abel, Remo e Rômulo, Ísis e Osíris, entre outros personagens que geraram até clichês e interpretações nebulosas. Mas, aqueles que me conhecem sabem o quanto estes conceitos e sua prática me são caros. Talvez, por isso, estudei a fundo sobre o tema e, inclusive, dediquei o livro “Frustração aos irmãos e irmãs.

A neurociência pode colaborar no entendimento do porque mesmo irmãos univitelinos (gêmeos idênticos) possam ser tão diferentes em termos de personalidade, temperamento, gostos, etc. 

O processo de amadurecimento cerebral tende à diferenciação celular. As experiências de cada bebê são diferentes e imputam uma estimulação neural também diversa. Um bebê gêmeo está em uma posição no útero e o outro em outra, e assim por diante. 

William e Harry são diferentes e, ao mesmo tempo, têm várias similitudes. Além disso, diferenciar-se conscientemente também é estratégico, uma vez que “se sou muito diferente dele, não preciso competir ou ser alvo de comparação”. Logo, diferenciar faz parte da natureza e não deveria ser um problema e, sim, caminhos de soluções. 

A questão é como as diferenças são vistas e construídas, e como as semelhanças são cultivadas. Quando crianças, é esperado que irmãos briguem, se posicionem, mostrem seus gostos, seus talentos, suas dificuldades; e cabem aos adultos e seus exemplos colaborarem com os processos de autorregulação, tolerância às frustrações, autoestima e autoconhecimento. 

Também faz parte a ambivalência, uma vez que ora há identificação, pois me reconheço no outro, ora afastamento, pois o outro provoca conflitos na minha identidade. 

Claro que existem as experiências mais traumáticas como abuso verbal, físico, sexual, geradores de traumas mais profundos, e este trataria em um tema à parte dado a complexidade do sofrimento e dos prejuízos. Pode ser que haja mágoas, humilhações, mas se houver a construção de laços, vínculos e vontade de compreender as razões do outro (processo empático), o prognóstico é bom!

Como exercitar a fraternidade entre irmãos?

O exercício da fraternidade é um treino de saúde mental, em que competências como empatia, perdão e generosidade são necessárias aos processos acima mencionados, como apontam diversas pesquisas. Mas, sobretudo, a vontade da comunicação e a intencionalidade de parceria são cruciais. Exemplos de parceria vão desde ajudar a tirar a mesa até ficarem de castigo juntos.

A palavra irmandade subtende-se à:

  • Troca;
  • Parceria;
  • Amor;
  • Resiliência.

Crianças e jovens muito egoístas, autocentrados e nada generosos ou gentis com seu(s) irmão(s) podem gerar gatilhos de inimizades entre seus pares, com sequelas muitas vezes intransponíveis. O desprezo, a negação e a arrogância podem ser geradoras destas sequelas.

Portanto, aos pais, observem e colaborem para o fortalecimento de habilidades socioemocionais de suas crianças e fiquem atentos para algumas características menos empáticas de seus filhos(as). Mas repito, a oportunidade de comunicar suas necessidades, dores e dificuldades é fundamental entre irmãos, por isso, invista na comunicação franca, verdadeira e bem intencionada. 

Criar o hábito de poder falar e ouvir o outro com respeito e celeridade começa na família nuclear. Este exercício deve ser iniciado desde a infância, pois na fase adulta uma das partes pode ter “cimentado as conexões” dos laços fraternais. 

Se os pais soubessem da importância de cuidar destas relações para o bem-estar, autoestima e saúde mental de seus filhos, iriam procurar por um curso sobre o tema, em detrimento de assuntos sobre “como seu filho pode ser mais inteligente”.

Ainda na ótica da neurociência, os cérebros das crianças tendem a ser empáticos desde bem cedo, esta é a natureza do amadurecimento neural. Podemos pensar, então, que Harry e William eram próximos, não apenas por viverem na mesma casa – ou castelo -, e que se desenvolveram a partir de trocas, parcerias, brigas e disputas naturais e necessárias. 

Mas, como os príncipes Harry e William foram criados na passagem da infância para a adolescência? 

Será que William era visto e tratado com maior importância, uma vez que seria o sucessor natural da coroa? Quantos irmãos não recebem incumbências que eles mesmos não optaram… O lugar em que ocupam na ordem de nascimento (primeiro, segundo…) também mostra desfechos diferentes. 

Enquanto dos mais velhos são esperados maior responsabilidade, “exemplo” (com seus onus e bonus), e por aí vai, aos mais novos cabem explorar o que não foi trilhado pelo mais velho ou fazer valer seus desejos para encontrarem cada qual seu lugar. O caçula também recebe um menor peso de expectativas (com seus onus e bonus), e assim por diante. 

Lembro aqui que estou generalizando para podermos refletir, certo?

Membros da família real, em especial os sucessores, são treinados para cumprir uma função acima de qualquer coisa. Inclusive, acima dos seus sentimentos e dos outros. Este pode ser o ressentimento de Harry, mais parecido com a mãe (sensível), e colocado num lugar similar (forçadamente em segundo plano).

Particularmente, acredito que a história se repete e é isso que as famílias poderiam se atentar (vide Diana que era mais popular que a rainha). Harry, assim como a mãe, ganhou mais popularidade do que “lhe era permitido”, no caso do Duque de Sussex, como um “não sucessor”. 

A família, e em especial o pai e o irmão primogênito na realeza, não poderiam permitir isso. Deste fato, fica explícito a competição, o ciúmes que são comuns, mas no caso de tamanha exposição que eles vivem, dos jogos de interesses milionários e intensas pressões palacianas, o “caldo”, que era natural, entorna.

Outro aspecto interessante, é que nossa mente tende a comparar. Logo, é quase impossível que os pais não comparem seus filhos desde o “aprender a primeira palavra”, passando por questões de saúde (peso, crescimento, etc.) até de seus sucessos e fracassos. 

“Os seres humanos são voltados à comparação”, segundo Shawn D. Whitehead, professor de desenvolvimento humano e estudos familiares da Universidade do Estado de Utah, nos EUA. A comparação saudável faz parte, mas precisa ser cuidada e muito bem proferida.

Lembre, todos nós somos necessariamente diversos e singulares, e aprender a se relacionar, se aceitar bem como ao outro, deveriam ser lições mais frequentes, pois, por incrível que pareça, felicidade e bem-estar tem tudo a ver com uma boa relação familiar.

Apesar dos conflitos entre irmãos serem bastante comuns, especialmente na infância e na adolescência, como já dito anteriormente, questiono:

O que fazer quando esses conflitos persistirem na vida adulta? 

Alguns dos fatores desta continuidade tem a ver com o senso de justiça. É justo um irmão ser sacana, egoísta e conseguir atingir seus objetivos enquanto o outro que é correto, bom e justo, ter dificuldades? Esta pergunta foi feita por um paciente, J.C., 28 anos.

Muitas vezes é como estas situações são vistas e interpretadas por membros da família. Um irmão ser mais bem sucedido que o outro não necessariamente cria conflito, mas qual é o nível da comunicação entre ambos, e qual o manejo deste fato por parte dos pais? 

Para avaliar uma situação de rivalidade hostil, que muitas vezes é velada, seria importante ter as duas visões sobre o mesmo problema, que tende a ser assertivo quando moderada por profissionais experientes, mas deve contar com uma prerrogativa: ambas as partes têm que querer participar. 

Logo, pais que sofrem pela inimizade entre seus filhos, o mais adequado é sensibilizá-los de modo proativo, sem usar da sua dor, pois isso pode gerar um outro peso negativo à relação já enfraquecida. Rever suas condutas e poder falar sobre elas com sabedoria e humildade de quem já sabe que também se erra por amor. Ademais, falar as verdades com amor também pode ajudar na cura.

Poder revisitar alguns motivos para as mágoas ou dores focando no perdão e, se ainda difícil, priorizar uma nova forma de se relacionar, cultivando cumplicidade e colaboração mútua. 

Cumplicidade e vínculos são passaportes para uma jornada fraterna. Mesmo que haja conflitos, dores e frustrações, aquelas características são como teias de sustentação: parece que não estão mais lá, mas quando há “perigo”, é lá que se seguram. Quando os irmãos já são adultos,”reconhecer os erros, pedir desculpa, estar (verdadeiramente) disposto a mudar determinadas atitudes, tudo isso faz parte do crescimento pessoal” e todos ganham.

Muitos podem se questionar se vale a pena o esforço para cultivar a relação fraterna. Eu diria que só não valeria se um deles apresentasse traços de psicopatia ou uma postura deliberada de não intenção ou desejo da relação. Responda com “sim” ou “não” a estas perguntas: 

  1. Há disponibilidade de retratação? Há reconhecimento dos próprios erros?
  2. Os pais são respeitados? Pode ser difícil respeitar o irmão que não respeita a família, bem como seus genitores.
  3. Tem um bom círculo de amizade?
  4. Como se relaciona com as coisas? Não divide, não empresta, mente e esconde?
  5. É egoísta, autocentrado, só faz o que lhe dá prazer e não se importa com a dor do outro? 

Se todas as afirmativas forem afirmativas, pode indicar que não vale a pena o investimento na relação fraterna.

Há Irmãos que se amam, vivem a fraternidade e até uma sociedade em empresa! Na sua opinião, se houvesse uma fórmula, qual seria? Abaixo alguns exemplos de irmãos famosos:

  • Gisele e Patricia Bundchen – modelo e empresária
  • Alok e Bhaskar Petrillo – DJ e irmão
  • Gustavo e Otávio Pandolfo – Os gêmeos
  • Richard e Maurice James – donos do Mcdonald’s
  • Walt e Roy Disney – donos da Disney
  • Karen, Sandra e Daniela Hope – donas do Grupo Hope

5 dicas de livros para refletir sobre o exercício da fraternidade:

  1. “O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido”, por Philippa Perry
  2. “Irmãos Sem Rivalidade”, por Adele Faber
  3. “Um amor de irmão: como sobreviver aos ciúmes e às rivalidades entre irmãos”, por Dollores Rollo
  4. “Frustração: como treinar suas competências emocionais para enfrentar os desafios da vida pessoal e profissional, por Adriana Fóz
  5. “Os irmãos Karamázov”, por Fiódor Dostoiévski
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