O sequestro da autonomia do professor e o assalto à ‘mão letrada’

Leitura ameaçada — foi questionada a relevância do uso de livros físicos

Vamos relembrar alguns conhecimentos básicos para não deixar dúvidas. Aprendemos a ler e a escrever por volta dos sete e oito anos de idade. Mas a aquisição da leitura e escrita é um processo que se inicia bem antes de chegarmos ao mundo.

Começa quando a mãe reconhece que está gerando uma vida que se desenvolverá até se tornar independente, autônoma. Será capaz de ‘ler’ seus próprios desejos, interpretar suas necessidades e ‘escrever’ sua própria história. Inicia com cuidados físicos, emocionais, cognitivos; estímulos e intenções apropriados por parte do adulto.

A intencionalidade é importante e coadjuvante ao afeto nas ‘constelações’ de conexões entre neurônios para a maturação e o desenvolvimento do cérebro infantojuvenil. 

Capacidades cerebrais

Os neurônios da leitura, como descreve o neurocientista francês Stanislas Dehaene* criam redes neurais biológicas que são estimuladas, cada qual no seu tempo e processo; são também imprescindíveis para o potencial da aprendizagem. No cérebro não há uma região para ler, mas sim para falar, ver, ouvir, andar, se emocionar…

Entretanto, fruto da extraordinária característica deste órgão, a neuroplasticidade, o cérebro humano é iluminado por redes neurais responsáveis pelas codificações e decodificações das linguagens faladas. Enriquecida pelos milhares de anos da necessidade de registrar, refletir, criar, conhecer, dentre outras funções e competências, o leitor imprime literalmente o testemunho da existência humana no planeta.

Contudo, mês passado, mais especificamente em 1° de agosto, recebemos a estarrecedora notícia pelas mídias: a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) limitaria o uso de material impresso durante os últimos sete anos da educação básica (fundamental 2 e ensino médio).

Para mim foi quase ouvir que seria jogada uma bomba atômica, não apenas nas escolas, mas no coração da aprendizagem. De modo deliberado, passaram por cima de todo conhecimento daqueles milhares de anos, como também dos estudos, pesquisas e evidências.

Riscos para o presente e futuro

A ideia de substituir os livros físicos por livros digitais, quando os cérebros dos jovens, ainda em formação, precisariam apenas clicar para obter informação (lembro aqui, informação é diferente de conhecimento) e todo aquele incrível pacote ontogenético (não o pacote do Word ou Excell que pode ser comprado e até falsificado) de competências lectoescritoras poderia ser parcialmente ‘deletado’.

Como assim? A SEE-SP ‘voltou atrás’ após a repercussão negativa da medida e anunciou que voltaria a aderir ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático(PNLD), adesão feita pelos estados brasileiros desde 1937, à exceção da educação infantil.

‘Flexibilizou-se’, disponibilizando os materiais digitais e também os impressos. Mas é o estudante quem deve escolher. Novamente, como assim? Um jovem não tem ainda a maturidade para fazer algumas escolhas e cabe aos pais e à escola orientar. Pergunte a um adolescente de 14 anos se ele prefere escrever uma carta manualmente para um colega ou digitar memes, emoticons e outros artifícios da tecnologia digital. Ou ainda, se prefere ler e escrever uma redação ou digitar. Aposto que a grande maioria vai preferir digitar, simples assim. 

Jovens preferem imediatismos, uma vez que o sistema de recompensas cerebral está em ‘formação’ lá onde já está circulando menos dopamina (o neurotransmissor do prazer), e é natural buscarem soluções que gerem maior satisfação momentânea. Escrever e ler é um processo mais trabalhoso, exige mais esforço, mais energia, menos prazer imediato, por um lado, mas desenvolve mais habilidades, estratégias e competências, como para a leitura aprofundada (dentre outros).

Leia mais na minha coluna da Revista Educação!

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